o irmão Dalton
"— Tua professora ligou. De castigo, você. Beijando na boca os meninos. Que feio, meu filho. Não é assim que se faz.
— ...
— Menino beija menina.
— Você é gozada, cara.
— ...
— Pensa que elas deixam?"
"Crianças (seleção)", edição de autor em Curitiba, 2001
nasceu em Curitiba há mais de 80 anos. ainda assim é um desconhecido em Portugal. é certo que a muito nossa Portugal Telecom até lhe deu, em 2003, um prémio (a meias com Bernardo Carvalho). o Bernardo já tem vários livros editados em Portugal, e metade da idade.
Dalton Trevisan começou a escrever os seus contos com 20 anos. dedicou-se exclusivamente ao conto. apenas publicou um romance. por isso é hoje visto, por muitos, como um dos maiores contistas brasileiros. por cá, de pouco lhe vale.
tal como herberto helder, também Dalton virou um hermita. vive fechado na sua casa de Curitiba e não recebe visitas de ninguém. hoje é conhecido como o "Vampiro de Curitiba" (título de um dos seus livros).
os seus contos são marcados por dois elementos: a síntese e o sentido de humor.
"os dois velhinhos
Dois pobres inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.
Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.
Junto à porta, no fundo da cama, o outro espiava a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz. Com inveja, perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro:
— Um cachorro ergue a perninha no poste.
Mais tarde:
— Uma menina de vestido branco pulando corda.
Ou ainda:
— Agora é um enterro de luxo.
Sem nada ver, o amigo remordia-se no seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela.
Não dormiu, antegozando a manhã. Bem desconfiava que o outro não revelava tudo.
Cochilou um instante — era dia. Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço: entre os muros em ruína, ali no beco, um monte de lixo."
Dalton Trevisan, "Mistérios de Curitiba", Editora Record, 1979
— ...
— Menino beija menina.
— Você é gozada, cara.
— ...
— Pensa que elas deixam?"
"Crianças (seleção)", edição de autor em Curitiba, 2001
nasceu em Curitiba há mais de 80 anos. ainda assim é um desconhecido em Portugal. é certo que a muito nossa Portugal Telecom até lhe deu, em 2003, um prémio (a meias com Bernardo Carvalho). o Bernardo já tem vários livros editados em Portugal, e metade da idade.
Dalton Trevisan começou a escrever os seus contos com 20 anos. dedicou-se exclusivamente ao conto. apenas publicou um romance. por isso é hoje visto, por muitos, como um dos maiores contistas brasileiros. por cá, de pouco lhe vale.
tal como herberto helder, também Dalton virou um hermita. vive fechado na sua casa de Curitiba e não recebe visitas de ninguém. hoje é conhecido como o "Vampiro de Curitiba" (título de um dos seus livros).
os seus contos são marcados por dois elementos: a síntese e o sentido de humor.
"os dois velhinhos
Dois pobres inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.
Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.
Junto à porta, no fundo da cama, o outro espiava a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz. Com inveja, perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro:
— Um cachorro ergue a perninha no poste.
Mais tarde:
— Uma menina de vestido branco pulando corda.
Ou ainda:
— Agora é um enterro de luxo.
Sem nada ver, o amigo remordia-se no seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela.
Não dormiu, antegozando a manhã. Bem desconfiava que o outro não revelava tudo.
Cochilou um instante — era dia. Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço: entre os muros em ruína, ali no beco, um monte de lixo."
Dalton Trevisan, "Mistérios de Curitiba", Editora Record, 1979
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