Friday, January 13, 2006

fechados no círculo

Portugal continua a manifestar uma aparente esquizofrenia em relação ao Brasil. na literatura então essa multiplicidade é gritante. a Portugal Telecom, que tem importantes investimentos no Brasil, criou o mais valioso prémio literário brasileiro, naturalmente intitulado Prémio PT.
todos os anos é elaborada uma short-list com 10 obras. no dia da entrega do prémio são contados os votos, ao vivo, e é anunciado o vencedor. em 2005 o galardoado foi Amílcar Bettega Barbosa, com o livro de contos "Os lados do círculo". na lista havia autores como Silviano Santiago com "O Falso Mentiroso", Edgard Telles Ribeiro com "Histórias Mirabolantes de Amores Clandestinos", Cíntia Moscovich com a "Arquitectura do Arco-íris", Cristóvão Tezza com "O Fotógrafo" ou Manoel de Barros com os seus "Poemas Rupestres". nenhum deles está publicado em Portugal.
o livro de Bettega Barbosa é um conjunto, muito homogéneo, de contos em torno da circularidade da vida, seja enquanto ideia de eterno retorno, seja como ideia da linha que nos cerca e limita. estes contos giram em torno da cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul e exploram um universo fortemente devedor da poesia. Bettega Barbosa não tem medo de experimentar e arrisca na composição do texto e na forma como o apresenta. diálogos em colunas justapostas. descrições de lugares e acontecimentos simultâneos, recorrendo a colunas para criar a ideia de simultaneidade.
com as devidas diferenças, encontrei em Bettega Barbosa a vertigem do risco que reside em Gonçalo M. Tavares, ainda que fique bastante aquém do autor de "Jerusalem".
se juntarmos a esta obra, as obras do poeta Manoel de Barros (também ele finalista do prémio PT) temos já razões mais do que suficientes para que à falta de outro meio, a Portugal Telecom encontre um parceiro editorial para publicar estes trabalhos de referência.

"E contraditoriamente é uma convicção, uma convicção tão infudamentadamente lógica que bastava eu andar três quadras da Independência e descer a escadaria da Conceição para sentir como uma bofetada na cara a certeza absoluta de que, exatamente na metade da Alberto Bins, Marta atravessaria a rua com sua sacola enfiada no braço e viria silenciosa incorporar-se aos meus passos, na mesma marcha, no mesmo itinerário que nunca conhecíamos de antemão mas que, ao contrário, ia sendo descoberto a cada metro, a cada passo, e nós dois, juntos, nós dois já não mais temíamos a aproximação de nenhuma esquina porque já era certo, não havia nada mais certo do que isso, de que no momento decisivo, quase sobre o cruzamento, tomaríamos sem vacilo a única direção que nos conduziria ao fim, e continuaríamos sem sequer
olharmos para os lados, enormemente agradecidos a essa força noturna que nos une e nos ilumina, e já sentindo crescer na garganta a alegria infantil de ver que tudo começava tão bem."

Amílcar Bettega Barbosa. "Os lados do círculo", Companhia das Letras, 2004

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